O bom aluno da desescolarização

Toda vez que uma pessoa começa a entrar no mundo da desescolarização bate aquela aflição no coração.

Normal, afinal são “ideias novas”, que vão na contramão do Status quo.

Trata-se de mudanças de paradigmas onde as ações no dia-a-dia ofertam novos desafios e dissabores.

As dúvidas iniciais atingem a todos, e parece que existe até um roteiro da experimentação. Primeiro a curiosidade, depois o vislumbre com as informações “desta vida”, e finalmente a decisão prática.

Ter a certeza de que existe a sintonia pessoal com tudo “aquilo que é oferecido” dentro desse novo espaço de vida é o grande motivo para o percurso.

Existe ali possibilidades de preenchimento das necessidades reais da existência, que até então pairavam na vida patrocinada pela ideia falsa de “bem sucedido”, ou na falta dela.

Seja a falta do conhecimento de determinadas necessidades, ou a falta da possibilidade de vivencias inexploradas.

E finalmente chega o grande momento de tirar o filho da escola, ou de pensar numa forma de desescolarizar a escola.

O vazio inicial é gigante. Os desesperos iniciais também.

Por onde começar? Por onde ir? Como fazer?

O que fazer com as crianças?

Dar liberdade? Não direcionar? Deixar o tédio dominar?

Para essas e outras perguntas se procura ler, ouvir, trocar.

Movimento justo, movimento necessário.

Porém o caminho é intransferível.

E aí é que começa a jornada!

Mas que tal estimular um pouquinho?

E se tiver vendo televisão demais?

E se eu levar num contra turno alternativo?

E se comer muito chocolate?

E se bater no amiguinho?

O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço?

Já sei! Que tal comprar um livro daquele assunto que a criança demonstra algum interesse e dom? Quem sabe ele segue por ali!

Que tal deixar comidas saudáveis na fruteira e nunca ir na casa de ninguém que consome industrializados? Assim ele vai ser preenchido com a boa comida!

E se eu não deixar meu filho andar com as crianças que gostam de Pokémon? Talvez ele nunca seja influenciado por interesses desse tipo!

Preciso criar encontros, preciso criar oportunidades!

Ah já sei, é preciso ouvir a criança!

Que mais mesmo?

É preciso…é preciso…é preciso seguir a cartilha!

O que aquela pessoa do facebook faz na sua desescolarização mesmo?

Ah, ela tem uma rede de apoio!

Mas eu não tenho!

Tenho que criar!

Tenho que dar uma vida rica, alternativa, cheio de coisas interessantes.

Outro dia vi uma família que vive passeando com seus filhos unschoolers por diferentes cidades. Eu também preciso fazer isso!

E assim a história se repete.

Inconscientemente se repete!

Caímos em diferentes armadilhas no decorrer da vida, mesmo quando estamos conscientemente entregues às nossas singularidades.

Como disse à cima, parece que existe um roteiro de experimentação na vida de quem está saindo da escola, o que é super normal, pois não é fácil quebrar os muros construídos por anos de obediência e incompetência de se perceber anulado dentro dos valores que não se aceita, que não se pertence.

O desejo de ser certinho, de fazer tudo certinho, é muito cruel e muito forte.

O medo de experimentar a vida na sua própria autonomia é tão desgastante, que muitas vezes é preciso anos para peneirar a alma.

Não somos culpados!

O bom aluno da desescolarização é aquela pessoa que quer respostas, quer saber como viver e resolver seus conflitos, e os conflitos das crianças.

Quer saber a medida certa para cada decisão, para não errar de novo.

Quer saber a medida certa mas pela voz do outro, pelo caminho do outro, pela experiência do outro.

Todavia, como diz Jean-Pierre Lepri, se aprende a viver, vivendo!

Um dos momentos mais interessantes do percurso em Paraty, que reuniu aproximadamente setenta pessoas para ouvir o que este senhor tinha a dizer, foi quando, depois de muita insistência para se obter respostas, ele disse: “Para que isso importa?”

Aprender a viver através das regras alheias, na relação dominador/submisso, sempre resultará na angustia.

O conflito, e a sensação de estar perdido se estabelece quando nos fixamos nas ideias de um guru, que manifesta toda uma teoria ideal de vida, que tanto desejamos vivenciar.

E como já nos afeiçoamos à necessidade de sermos bons alunos, bons filhos e bons fiéis, queremos ardentemente viver conforme os tais ideais que abraçamos para nós.

E aí começa todo um desencontro, entre aquilo que somos na atualidade e aquilo que queremos ser também na mesma atualidade.

Sempre desejando ser a teoria que escolhemos.

Porém, independentemente do quão digno e sensacional sejam os valores e paradigmas, só será possível ser, no sentido de ser real, quando tudo isso for abandonado.

Viver fora da escola, viver de forma desescolarizada, ou seja, estar fora de qualquer forma institucional e, além disso, viver sem educação, no conceito de viver sem condução é um caminho que não tem respostas, pelo menos não da forma como se está acostumado.

Abrir o olho no furacão e decidir ali, sozinho, no meio das emoções, das situações, das condições o que fazer, como fazer, e porque fazer é grande pulo do gato.

Assim como um artista só se torna um artista quando deixa as técnicas de lado.

Assim uma pessoa só se torna uma pessoa quando deixa de seguir suas próprias teorias e crenças.

Não somos nem a teoria, nem a crença, porque elas são inanimadas, estáticas, inflexíveis e inalcançáveis.

Somos o real singularmente praticado.

Praticar a não educação, a desescolarização ou qualquer outra sintonia referente a uma vida mais autônoma, é justamente não se importar com exemplos, com modelos, com formulações.

E tirar essas pretensões do jogo é tirar também todo o peso da cobrança de alcançar o ideal, a aprovação, o reconhecimento, a gratidão, o resultado pré-desejado do inconsciente.

Que todos os bons alunos da desescolazarição possam rapidamente se desiludir, esses são os meus mais sinceros e confiantes votos para a caminhada de cada um.

Lesly Monrat

2 Comments

    1. Lara querida, é bem por ai mesmo! E principalmente no começo por se tratar de um assunto que está no campo do desconhecido, daquilo que ainda não foi vivido, acabamos querendo metodologias. Com tempo vamos entendendo que a única regra é não ter regras externas, e que somente olhando para dentro é que conseguimos achar nosso rumo! Boa caminhada para vocês!

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